3 de janeiro de 2010

Tardes Cinzas

Não sou inspirado por musas nem invejado pelos deuses. Não sou admirado pelos lideres nem respeitado pelos pobres. Não sou. Apenas, aconteço. Deixo minhas palavras dançarem pelo papel como a água flui em um rio cristalino. Livre e natural. Sem impulso nem modificação.
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Tardes Cinzas

Era uma tarde cinza, desbotada. Fria e aleatória. Monótona e apagada.

Um espelho desprendia-se da parede do banheiro de azulejos amarelados em direção ao chão quebrando a imagem que nele há muito tempo estava aprisionava. Era chegado o fim; Como uma bomba destrói uma cidade aquelas palavras, aquela pequena, pura e inocente verdade absoluta e incontestável atravessou aquele homem e fez de seu corpo cinzas, que foram imediatamente carregadas pelo vento.

Um vazio irracional se alastrava pelo meu corpo. Como um câncer que devora aos poucos sua vitima. Esta, apesar da insuportável dor, mantém acesa a luz da esperança. Ela resiste a cada momento de franqueza, a cada golpe que a vida lhe dava e mantinha a cabeça erguida.

Até não poder mais. Até ser totalmente consumida pela escuridão e não restar nada além de fragmentos de um amanhã que nunca chegará. Projetos jogados pela janela. Planos furados pela estaca da realidade.

O impacto durou um segundo. Por um momento ele viu tudo que tinha conquistado. Ele viu em um segundo o tudo fazer fronteira com o nada e esse contaminar o outro lado do universo. Ele viu. Pela última vez.

O papel de parede descascado que cobria as paredes emboloradas. A luz penetrando pelas persianas quebradas no que restará do cubículo recém-comprado. O tom sépia do ar. A janela aberta. O rádio fora de estação. A caneca de café sob a mesa que já completava meses de esquecimento.

Naquela tarde o som daquela voz ecoava em sua mente atingindo os cantos e corredores mais profundos de sua alma, lugares que ele nem sabia que existiam agora presenciavam a metamorfose da linda melodia em uma sinfonia de dor e de destruição. Autodestruição.

O fechar dos portões, a construção da muralha, o ruído agudo das correntes envoltas as barras de ferro. Ele pegou seus sonhos agora desfigurados e erguia com eles uma prisão dentro de si, e nela guardava o maior de todos os assassino. O mais perigoso e mais cruel dos vilões, capaz de derrubar e com apenas uma palavra um império de expectativas em destroços e desilusão. Ele tentou esquecer, tentou ignorar. Tentou silenciar os gritos. Mas nada adiantava, sua imagem sempre fugia em sonhos, em gostos e sabores, em letras de músicas, em paisagens, em aromas, mas principalmente em memórias...

Naquela oásis, no interior daquela prisão ele manteve vivo o amor. O tão verdadeiro e já impossível amor. O absoluto e insolúvel amor. Estava condenado a sofrer a dor da perda pelo resto de sua vida imortal. Por mais que surgissem outras vozes e rostos ele sempre estaria ali, contabilizando os dias restantes para se libertar e só então recomeçar... Tudo outra vez.

André Torres

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